Por José Roberto de Toledo (O Estado de São Paulo)
Não adiantou a classe média inalar gás
lacrimogêneo nem chorar lágrimas de spray de pimenta. A reforma política
foi abortada pelo Congresso. De novo.
Ato reflexo, a impopularidade de
deputados e senadores voa mais alto do que jatinho da FAB. Chega a ser
injusto com os congressistas. Nem tudo é culpa deles.
O que são algumas centenas de assessores
parlamentares em Brasília comparadas aos 508 mil funcionários sem
concurso que os prefeitos, cada vez mais, nomeiam Brasil afora? Se
morassem todos no mesmo lugar, formariam a 39ª maior cidade brasileira.
Não há avião ou estádio da Copa que
abrigue todos eles. Mais de meio milhão de servidores unidos a um
contracheque mensal exclusivamente pela caneta do prefeito. Quanto custa
isso?
Só como exercício, multipliquemos os 508
mil sem-concurso pelo valor do rendimento médio dos servidores
municipais, apurado pela Receita Federal. Se você é cardíaco, talvez
prefira não saber o resultado: R$ 1,6 bilhão por mês, ou R$ 20 bi por
ano.
Não é à toa que os prefeitos marcharam
sobre Brasília e vaiaram Dilma Rousseff quando ela anunciou que
repassaria R$ 3 bilhões a mais para eles. Com uma conta sete vezes maior
para pagar só de cabides, tinham mais é que vaiar a presidente por sua
avareza.
Se o cabide de emprego municipal chegou a
esse tamanho e cresce sete vezes mais rápido que a população
brasileira, a culpa – dizem – não é dos prefeitos. É de Dilma. Sim, é
tudo culpa do governo federal – como explica o porta-voz da categoria:
“Há uma transferência constante de
atribuições da União para os municípios. No momento em que você assume
atribuições, você cria necessidades de coordenadorias. Não dá para
colocar uma manada na mesma hierarquia sem ninguém comandar, tem que ter
cabeça”.
A “manada” a que ele se refere deve ser a
dos outros 5,5 milhões de servidores municipais, os concursados –
aqueles que ganharam direito ao contracheque porque passaram em um
processo seletivo e fazem carreira servindo o público. São eles que
precisariam de “cabeça”, ou seja, dos 508 mil nomeados sem concurso.
Obviamente os prefeitos não podem depender de concursados para atender suas vontades.
Precisam de alguém de confiança, um
correligionário, um amigo ou, melhor ainda, um parente. E como o governo
federal teima em mandar cada vez mais atribuições (e verbas) para os
municípios, mais correligionários, amigos e parentes se fazem
necessários para comandar a “manada”.
É tão lógico que parece verdade. A
explicação seria perfeita, não fossem os números. A proporção de
funcionários sem concurso (os “cabeças”) em relação ao total de
servidores municipais (a “manada”) varia de 0% a 77%. Sim, 47 municípios
brasileiros declararam ao IBGE não ter nenhum “cabeça” em seus quadros.
Essas cidades parecem exceção, mas não
são. Em uma de cada cinco prefeituras, a taxa de funcionários sem
concurso não chega a 5%. E em três de cada cinco, a proporção é inferior
a 10%.
A exceção está na outra ponta. Só 17
cidades têm mais da metade de funcionários municipais sem concurso (11
delas ficam em Goiás). Em só 2% dos municípios a falta de concurso
supera um terço do funcionalismo.
Os números mostram que uma grande parte
dos municípios brasileiros consegue dar conta de suas velhas e novas
atribuições sem criar um bicho de sete cabeças – nem provocar o estouro
da manada.
O mais provável é que a explicação para o
inchaço das máquinas municipais onde abundam funcionários sem concurso
seja política, e não administrativa.
A multiplicação dos pequenos municípios
atende aos interesses partidários de criação de novas estruturas
burocráticas, de mais cargos de confiança sem concurso, de mais vagas de
vereador. Um pequeno novo município faz pouca diferença no total do
gasto público. Mas muitos deles fazem toda a diferença.
Fonte: Blog do Carlos Santos