quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CIDADES: Estudo sobre desastres ganhará Centro

CÍCERO OLIVEIRA
Afogamentos nas praias do litoral são exemplos de riscos registrados no RN
"Nenhuma ciência sozinha é competente para tratar de algo tão complexo". É ao fenômeno dos desastres que se refere, sem hesitar, o professor Pitágoras Bindé, docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). "Isolados, os saberes não fazem nada para resolver o problema", assegura.

Cientes da questão, pesquisadores da Universidade querem propor a criação do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED), projeto que pretende reunir cientistas de diversas áreas do conhecimento para desenvolver investigações sobre a temática na UFRN, assim como oferecer suporte técnico às instituições públicas que atuam em situações de catástrofes, como a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

Coordenador da iniciativa e professor do Departamento de Geografia, Lutiane Almeida, explica que o projeto tem sido conversado com a Reitoria e as defesas civis Estadual e Nacional. A ideia é estabelecer um convênio de cooperação entre a Universidade e os serviços de emergência. O acordo formal deve ser firmado durante o 1º Seminário Multidisciplinar sobre Desastres, a ser realizado nos dias 4 e 5 de novembro deste ano.

Desde 2011, Lutiane coordena na UFRN o Grupo de Pesquisa Dinâmicas Ambientais, Riscos e Ordenamento Territorial (GEORISCO), no qual são desenvolvidos estudos que examinam as relações entre a transformação do ambiente e as fragilidades sociais no Rio Grande do Norte. O mapeamento das regiões vulneráveis de Natal e a proposta de instalação de um sistema de alerta de risco na cidade são exemplos de análises conduzidas dentro do Grupo.

As pesquisas se dispõem a avaliar perigos para comunidades, apontar onde há ocorrência dos fenômenos e relacioná-los com fatores sociais e naturais. "Os primeiros resultados de um de nossos estudos indicam que há coincidência entre os desastres e áreas com falta de serviços urbanos", relata Lutiane.

INTERDISCIPLINARIDADE

No Rio Grande do Norte são registrados variados tipos de riscos naturais: afogamentos nas praias do litoral, deslizamento de barreiras, escorregamento de dunas, terremotos na região da Baixa Verde, inundações no Vale do Açu e a estiagem na região semiárida são exemplos. Há também perigos provocados pela ação humana, como os decorrentes do trânsito e das grandes aglomerações de pessoas, sobretudo na capital.

A necessidade de interação entre os saberes para abordar tema tão amplo é consenso entre os professores. "Quando a gente fala de risco, estamos falando de interdisciplinaridade", afirma Ermínio Fernandes, do Departamento de Geografia. "As áreas têm que sentar juntas, entender o fenômeno e buscar possíveis soluções. Não tem como ser diferente", sustenta o docente, que também colabora com o Georisco.

Ermínio explica que sua contribuição para as pesquisas sobre catástrofes é entender o fenômeno do ponto de vista técnico, ao examinar as características físicas do solo. "Estudamos questões como "que parâmetros uma duna tem que ter para começar a escorregar", "0qual a carga que ela suporta de peso" ou "quanto tempo leva para deslocar-se"", exemplifica.

Segundo o professor, a Geografia tem participação relevante no estudo dos perigos por observar os mecanismos da natureza e, ao mesmo tempo, oferecer respostas às fragilidades sociais nas comunidades. "Nossa disciplina é um leque de contribuições porque tem um grande arcabouço teórico-metodológico de pesquisa nesses temas. Agora, claro que a gente não é suficiente", ressalva.

Para Ermínio, a Universidade deve sempre manter contato com entidades públicas que atuem em situações de desastres. "Elas precisam saber quais são as áreas vulneráveis e quais os riscos que cada uma apresenta. Alguns lugares carecem de estudos mais detalhados, tanto do ponto de vista socioambiental quanto geomorfológico, para dar base ao trabalho dos órgãos responsáveis", diz.

SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA

Ricardo Matos, do Departamento de Engenharia de Produção, aponta para outro aspecto do problema. O professor explica que embora haja alguma interlocução entre os sistemas públicos de resposta a emergências, as atividades poderiam ser mais bem organizadas.

"Os serviços de emergência no País precisam de um trabalho de aglutinação, um trabalho coordenado", defende. "É importante definir quais os limites de atuação de cada um e de que maneira eles podem atuar juntos, inclusive fazendo treinamentos de ação mútua para cenários determinados", afirma Ricardo.

De acordo com o pesquisador, desastres são fenômenos complexos, que precisam de uma abordagem conjunta para ser compreendidos. "É algo que não cabe em uma única disciplina e que diz respeito a todo cidadão. Por isso nossa proposta é reunir pessoas interessadas em desencadear investigações sobre o assunto", pontua.

O docente entende que é necessário promover uma "maturidade" nas organizações de maneira que elas possam dar respostas eficientes às situações críticas. Formas de trabalhar em equipe, ferramentas que facilitem o raciocínio dos atores envolvidos e processos que diminuam a fadiga e os erros são exemplos de elementos a serem estudados.

Ricardo lembra que a colaboração da Universidade não deve resumir-se à pesquisa. "Esse Centro de Estudos terá também o papel de desenvolver atividades de extensão junto à sociedade e formar pessoas para atuar na área de desastres", diz.

PESSOAS

Pitágoras Bindé, do Departamento de Psicologia, explica que sua área preocupa-se com o componente humano das catástrofes, ao ocupar-se de vítimas e co-autores dos acontecimentos extremos, além de pessoas que atuem diretamente com os riscos.

O professor esclarece que a contribuição da Psicologia acontece em três momentos: na prevenção dos desastres, no combate ao problema e na reparação de possíveis danos psicológicos ocasionados pelos eventos.

Como exemplo de trabalho desenvolvido, Pitágoras cita a avaliação de planos de evacuação, quando pesquisadores confrontam os perfis de comportamentos previstos nos documentos com relatos e gravações de casos reais.

Segundo o docente, projetos de emergência normalmente presumem que as pessoas irão agir de um modo determinado nos momentos de perigo, mas nem sempre esses comportamentos se confirmarão. "Se você pegar qualquer plano desses, a primeira diretriz é não entre em pânico". Mas o que a gente verifica, na prática, é exatamente o contrário", relata.

Sobre o Ceped, Pitágoras vê na iniciativa a adoção, pela UFRN, de um compromisso institucional. "Queremos que o esforço deixe de ser dos professores individualmente e a Universidade, como instituição, passe a desenvolver estudos e a disponibilizar pessoas de todas as áreas para ajudar nas atividades dos órgãos públicos", ressalta o professor.

Fonte: Jornal Gazeta do Oeste

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