Blog César
Santos
Dr. Amadeu Garrido de
Paula
Não falamos em
futuro do Estado, porém no Estado do futuro, na pressuposição de uma mudança
radical no modo de tratar a coisa pública por meio de um ente criado por nós,
mas que se torna um alienígena opressor na vida da sociedade.
Da ideia romântica
de Jean Jacques Rousseau e do realismo de Tommaz Hobes, a história dá razão ao
último. Não se vislumbra um etéreo e imaginário contrato social, em que todas
as cláusulas foram analisadas e objeto de um consenso majoritário ou unânime de
seus participantes, a gente de todo o mundo. O que nos confirmam os fatos
da vida social é que, efetivamente, o homem é o lobo do homem (homo homini
lupus) e que somente uma estrutura a ele alheia e superior – o monstro Leviatã
– é capaz de ordenar minimanente as relações entre as pessoas, em seus planos
nacionais, com soberania e autoridade, em geral descambada para o
autoritarismo, ainda que nos regimes democráticos e constitucionalizados.
Pior: essa
autoridade, em princípio legítima, perde para os abusos de toda sorte a que
recorrem seus “servidores”, ou que dele se servem, desde o mais humildes até as
mais supremas magistraturas. O Leviatã passa a ser uma vaca de seios fartos,
aonde todos correm para saciar-se, sempre com as honrosas excessões. Para
mantê-la em produção, é preciso muito dinheiro, que escorre pelos dedos dos
sagazes e desonestos.
No último dia 30
de maio os brasileiros terminaram de sustentar o Estado com seus impostos,
taxas e contribuições; agora poderão obter para si o produto de seu trabalho.
Essa conjuntura não é apenas injusta, é a semente da planta venenosa que impede
o crescimento de um país, a realização da justiça social e, amiúde, causa das
crises “bolhas”, que o deficit público desencadeia, sem dó nem piedade dos que
estão na ponta da corda, aqueles que vão amargar o desemprego e os jovens
formados por renomados institutos universitários e que curtirão seus
momentos depressivos nas ruas da inutilidade.
Recentemente, uma
dona de casa espanhola, Elena Birrun, inconformada com o desleixo público que
afetava o local onde residia, passou a adotar condutas políticas que a
conduziram ao cargo de prefeita do “pueblo” de Torredolones. Seu lema é o
“governo limpo”, ou seja, absolutamente honesto e transparente. Os resultados
foram alentadores e a ideia tomou corpo numa Espanha carcomida pela
irresponsabilidade passada e a austeridade presente, que recai mais fortemente
sobre os despossuídos (trabalhadores e dependentes do sistema previdenciário).
Elena Birrun já faz palestras por toda a Espanha.
O segredo é de
polichinelo: a administração pública é essencialmente participativa, sem fugir
de regramentos indispensáveis ao prevalecimento da vontade da maioria e à
execução das decisões. O fato destacável é que o Estado não pode mais ser
um estrangeiro poderoso em relação à sociedade, mas, efetivamente, só faz
sentido enquanto legítima emanação do povo, a quem se reconhece direitos de
verificar as contas públicas e sugerir medidas de ação política, entre outras
atividades. Essa participação dos cidadãos leva o nome de ativismo
comunitário. A recessão conduziu pelo menos uma parte do bravo povo espanhol a
refazer seus valores de ciência política.
No Brasil,
infelizmente esse princípio se perdeu no torvelinho das ortodoxias ideológicas
e a “democracia participativa” ficou controlada por um partido político. Essa
participação popular, ordeira, regrada e democrática, ampla e sem
condicionamentos partidários, conduz, progressivamente, à criação de um Estado
Mínimo, sob o ponto de vista de que as decisões que cabiam ao Estado, na zona
grégia de suas transações pouco claras e dissipadoras do erário público,
passam a ser, não raro, descartadas pelo povo, que desenvolve uma necessária
higienização de suas instituições perdulárias. O desnecessário,
formalista e custoso, expedientes utilizados, em geral, para cobertura das
improbidades, sendo afastados, introduzem paulatinamente a nanotecnologia da
racionalidade política no manuseio do instrumento político destinado a superar
os problemas coletivos. Nos anos da experiência humana em relação ao Estado,
praticamente desde o século XVIII até nossos dias, deixamos a máquina estatal
girar e produzir uma uma metástase, os poderes autoritários recrudescer,
as castas públicas e ilegítimas reinarem soberanas, e, nessas condições, nos
reduzimos a cidadãos desprovidos dos mínimos requisitos de cidadania.
Se crises
eclodirem, como na Grécia e na Espanha, restarão apenas as ruínas de um Estado
faraônico que, se remodelado sob os signos do “governo limpo” e da “democracia
participativa”, poderia ser a expressão real da democracia e um singelo e ágil
instrumento de ação social – em que os agentes públicos só esgrimiriam seus
poderes na exata necessidade do cumprimento de seus deveres, à vista de
todos, na companhia de todos e para todos os homens.
(*) Dr. Amadeu Garrido de
Paula é advogado.
Fonte: Jornal
de Fato
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