segunda-feira, 10 de junho de 2013

O estado do futuro


Blog César Santos

Dr. Amadeu Garrido de Paula

Não falamos em futuro do Estado, porém no Estado do futuro, na pressuposição de uma mudança radical no modo de tratar a coisa pública por meio de um ente criado por nós, mas que se torna um alienígena opressor na vida da sociedade.

Da ideia romântica de Jean Jacques Rousseau e do realismo de Tommaz Hobes, a história dá razão ao último. Não se vislumbra um etéreo e imaginário contrato social, em que todas as cláusulas foram analisadas e objeto de um consenso majoritário ou unânime de seus participantes, a gente de todo o mundo.  O que nos confirmam os fatos da vida social é que, efetivamente, o homem é o lobo do homem (homo homini lupus) e que somente uma estrutura a ele alheia e superior – o monstro Leviatã – é capaz de ordenar minimanente as relações entre as pessoas, em seus planos nacionais, com soberania e autoridade, em geral descambada para o autoritarismo, ainda que nos regimes democráticos e constitucionalizados.

Pior: essa autoridade, em princípio legítima, perde para os abusos de toda sorte a que recorrem seus “servidores”, ou que dele se servem, desde o mais humildes até as mais supremas magistraturas. O Leviatã passa a ser uma vaca de seios fartos, aonde todos correm para saciar-se, sempre com as honrosas excessões.  Para mantê-la em produção, é preciso muito dinheiro, que escorre pelos dedos dos sagazes e desonestos.

No último dia 30 de maio os brasileiros terminaram de sustentar o Estado com seus impostos, taxas e contribuições; agora poderão obter para si o produto de seu trabalho. Essa conjuntura não é apenas injusta, é a semente da planta venenosa que impede o crescimento de um país, a realização da justiça social e, amiúde, causa das crises “bolhas”, que o deficit público desencadeia, sem dó nem piedade dos que estão na ponta da corda, aqueles que vão amargar o desemprego e os jovens formados por renomados institutos universitários  e que curtirão seus momentos depressivos nas ruas da inutilidade.

Recentemente, uma dona de casa espanhola, Elena Birrun, inconformada com o desleixo público que afetava o local onde residia, passou a adotar condutas políticas que a conduziram ao cargo de prefeita do “pueblo” de Torredolones. Seu lema é o “governo limpo”, ou seja, absolutamente honesto e transparente. Os resultados foram alentadores e a ideia tomou corpo numa Espanha carcomida pela irresponsabilidade passada e a austeridade presente, que recai mais fortemente sobre os despossuídos (trabalhadores e dependentes do sistema previdenciário). Elena Birrun já faz palestras por toda a Espanha.

O segredo é de polichinelo: a administração pública é essencialmente participativa, sem fugir de regramentos indispensáveis ao prevalecimento da vontade da maioria e à execução das decisões. O fato destacável é que o Estado não pode mais ser  um estrangeiro poderoso em relação à sociedade, mas, efetivamente, só faz sentido enquanto legítima emanação do povo, a quem se reconhece direitos de verificar as contas públicas e sugerir medidas de ação política, entre outras atividades.  Essa participação dos cidadãos leva o nome de ativismo comunitário. A recessão conduziu pelo menos uma parte do bravo povo espanhol a refazer seus valores de ciência política.

No Brasil, infelizmente esse princípio se perdeu no torvelinho das ortodoxias ideológicas e a “democracia participativa” ficou controlada por um partido político. Essa participação popular, ordeira, regrada e democrática, ampla e sem condicionamentos partidários, conduz, progressivamente, à criação de um Estado Mínimo, sob o ponto de vista de que as decisões que cabiam ao Estado, na zona grégia de suas transações pouco claras e dissipadoras do erário público,  passam a ser, não raro, descartadas pelo povo, que desenvolve uma necessária higienização de suas instituições perdulárias.  O desnecessário, formalista e custoso, expedientes utilizados, em geral, para cobertura das improbidades, sendo afastados, introduzem paulatinamente a nanotecnologia da racionalidade política no manuseio do instrumento político destinado a superar os problemas coletivos. Nos anos da experiência humana em relação ao Estado, praticamente desde o século XVIII até nossos dias, deixamos a máquina estatal girar e produzir uma  uma metástase, os poderes autoritários recrudescer, as castas públicas e ilegítimas reinarem soberanas, e, nessas condições, nos reduzimos a cidadãos desprovidos dos mínimos requisitos de cidadania.

Se crises eclodirem, como na Grécia e na Espanha, restarão apenas as ruínas de um Estado faraônico que, se remodelado sob os signos do “governo limpo” e da “democracia participativa”, poderia ser a expressão real da democracia e um singelo e ágil instrumento de ação social – em que os agentes públicos só esgrimiriam seus poderes  na exata necessidade do cumprimento de seus deveres, à vista de todos, na companhia de todos e para todos os homens.

(*) Dr. Amadeu Garrido de Paula é advogado.

Fonte: Jornal de Fato

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